segunda-feira, 19 de julho de 2010

Passo, mais passo, e outro passo.
Passava naquele corredor frio e sentia os passos que nao passam sem marcas.
De repente do meu passo fez-se o caminho contrário.
Um passo mais e passei a ver diferente.
Ia apenas fazer análises ao sangue, os meus passos eram simples.
Entre tanto passos, por entre passadas largas de quem corre para a vida, e os curtos passos de quem tenta se afastar da morte, senti que os meus passos apenas passavam.
Quis ser mais que pisadas invisieis, e ser um passo importante, um passo de ajuda.
Não posso, não sei.
Registei os olhares, a dor dos sorrisos, o peso das passadas.
Aquele hospital é um mundo, uma correria desenfreada, onde risos e choros se fundem, novos e velhos não tem idade, ricos e pobres lutam pela mesma riqueza, igualando-se.
Outro passo, mais um, e mais outro e estou ali, diante de uma sala repleta de cansaço de esperar.
Vejo gentes tão corajosas, gentes tão mais gentes que tanta outra gente.
Aqueles que podem não estão ali, tem seguros de saúde, clinicas privadas, amigos médicos, nem sabem o cheiro de dor que se sente neste lugar...preferem nao saber.
Aquela mãe resignada de esperar, com os olhos baços, e o semblante carregado com o peso da vida, repousava a sua mão na perna dele.
Ele, deveria ter 40 anos aproximadamente, homem forte, pesado, mas débil, só olhava o chão.
Eu, à medida que a fila andava e me aproximava do guiché, aproximava-me dele.
Continuava a olhar o chão, sem um movimento, o corpo inerte adivinhava uma doença mental.
Talvez a fixação do meu olhar, talvez um pensamento, e ele levantou os olhos, os olhos nao a cabeça.
O corpo não se mexeu, e ele levantou o olhar, de soslaio olhou a sala e a mim. Sorri-lhe.
Impotente, sorri-lhe como se este meu gesto pudesse ser um analgésico, e por segundos roubar-lhe um sorriso. Nada, voltou a olhar o chão.
Como que a pedir ajuda, como sinal de cansaço, pousou a sua mão na da sua mãe. Ela deu-lhe também a outra, apertou a dele entre as suas e deu-lhe também o seu sorriso simples, sincero, generoso, cheio de amor. Ele olhou-a, e quase sorriu.
E com mais um passo, e outro passo, fui saindo deste mundo de dor.
Nada, não sou nada neste lugar, estes meus passos só passam, ninguem nota.
Cruzo-me com mais olhares soturnos, com mais rastos de dor, passos pesados, passos perdidos, passos, tantos passos...passos que ressoam a pedir ajuda, e passos atilados de quem ajuda.
Os que ajudam, de branco que nem anjos, tem passos largos, que correm, passos precisos, passos bem-vindos.
E mais um passo e passei a barreira, deixei para trás um mundo de dor, mais um passo, e outro passo, e olho para trás, e vejo de longe os passos, já sem ruido, sem cheiro, sem marcas.
Mais um passo e outro, e longe os meus passos.
Mas longe só os passos, ainda vejo aquelas mãos de mãe, rugosas e sofridas a despejarem energia na outra mão, aqueles olhos que de baços se transformaram em luz e o sorriso que nunca deve ter sido riso, mas como sorriso pode tudo.

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